segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Tempos Líquidos para Humanos Máquinas

Não saberia dizer ao certo agora, mas acredito que foi na sétima ou oitava série do Ensino Fundamental, ainda lá em Tremedal, numa dessas manhãs quentes em que o telhado de Eternit do CET (Centro Educacional de Tremedal) tornava a sala de aula uma verdadeira sauna; lá o Profº. Marcolino durante uma aula de Geografia narrou que no Japão, quando um aparelho eletrônico quebra, mesmo com possibilidade de recuperação, eles não mandam para a assistência técnica, mas os descarta afim de comprar um novo; nunca verifiquei se essa informação era verdadeira, porém me lembro de ter achando a ideia um tanto absurda, ri da ignorância nipônica, depois desejei ser algum tipo de imigrante/mendigo espertalhão que iria catar lixo eletrônico na ilha japonesa para mandar para o Brasil e ficar rico (??) Ledo engano, Leda Nagle.

"Melting Men" by Nele Azevedo. Berlin, 2009
Uma coisa é certa, nunca me tornei um catador de lixo eletrônico no Japão, ou se quer pisei os pés lá, mas daquele momento em diante entendi que descartar algo por estar com defeito, mas com possibilidade de reparo, era um ato que vinha embutido com ignorância. Desde então, recuperar, resgatar, reconquistar, restaurar se tornaram palavras essenciais e parte de minha vida.

Obviamente que trocar um aparelho é uma liberdade que todo consumidor possui e não há como discutir que é válido esse direito; convivemos muito bem com a ideia de que os produtos surgem já com obsolescência programada, sabemos que comprar hoje o iPhone 6 Plus significa que em meados de Setembro do próximo ano ele será descartado e substituído por um modelo mais moderno, curvilíneo, com tela de retina 4K com mais definições de pixel etc e tals. O (meu) incomodo surge, na verdade, quando transferimos essa intenção de substituição para os seres humanos, o problema é acreditar que durante o processo de construção de uma relação (seja ela romântica, parental ou de amizade), caso surja uma imperfeição, seja por medo, incerteza ou  insegurança o próximo passo a ser realizado é substituir aquele individuou que aparentemente não se encaixa na sua idealização ‘de bom funcionamento’. Esquecemos que seres humanos estão suscetíveis a falhas, esquecemos que a perfeição é uma ideia vaga e utópica.

O sociólogo intelectual polonês, Zygmunt Bauman afirmou: "Vivemos tempos líquidos, nada é feito para durar, tampouco sólido. Os relacionamentos escorrem das nossas mãos por entre os dedos feito água.". Bauman foi tão brutalmente realista, que é impossível negar que infelizmente boa parte da sociedade pós moderna (essa sociedade que você e eu estamos inseridos) transferiu as conexões superficiais entre o ser humano e objeto também para relações entre humanos com humanos. Sendo assim, se nada é feito para durar, as conexões humanas (e o amor) são banalizados, os relacionamentos não são feitos para permancer, por que caso aja alguma “falha no sistema” o mais fácil é desconectar-se.

Mas há quem [eu] reme contra a maré e se recusa a atualizar o sistema!